quinta-feira, 2 de outubro de 2014


Sussurro uma melodia, mas o plano continua o mesmo.
O mundo continua o mesmo. Se estivesses cá, cantava para ti.
Mas eu continuo deste lado. O teu céu é igual ao meu,
mas mesmo assim divide-se em dois e as estrelas dividem-se em promessas.
Abro os olhos e vejo as nossas noites se encontrarem.
Mas sabemos que apenas somos guiados pela luz dos candeeiros.
Aqueles que percorremos de mãos dadas.
É lá que consigo ouvir o batimento do teu coração.
Nas ruas apinhadas e nas outras desertas de gente.
Já sem luz, deitada, olhei e continuavas ali.
E agora consegues ver o céu? É lá que consegues ver o meu.
As luzes dos candeeiros vão continuar acesas.
E as promessas vão-se desfazendo.
(...)
Eu ainda consigo ver o céu. Tu continuas desse lado.
 
 

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Lá estava ela, a segurar naquele tão pequeno coração. Naquele pedacinho de vida. Segurava-o enquanto o aconchegava na sua manta preferida. Era aveludada e de cor escura mas viva. Ela dizia que era uma manta especial. Talvez por já ter viajado por terras não tão longínquas mas receadas. Talvez também porque de quando em quando, é aconchegada pelas memórias que esta lhe traz. O pequeno tinha nos olhos vida e não foram necessários mais do que poucos segundos para também ela se deixar levar. Levar pela curiosidade do desconhecido e adormecer as imagens que levavam a sua mente num rodopio. Não demorou muito tempo até perceber que elas não se iam embora, as lembranças, por isso não precisava agarrar-se a elas com tanta força. Com tanto sufoco, com tanto peso e sem medida. Como sempre o fazia. Sentia o peito a explodir com tanto que não podia aguentar, nem quantificar, que se perdia ao tentar encontrar-se na confusão que criara. Imaginava a sua própria mão a ir em socorro de si mesma. Dentro de si mesma. Envolta no desencontro, despediu-se do caos e voltou-se para a pouca luz que deslizava por entre a janela fechada. Com um sorriso leve no olhar, abriu a janela.

segunda-feira, 30 de junho de 2014


É de uma simplicidade.

Tal como o fundo de uma sala ser apenas uma parede de uma única cor. Sem tons misturados, sem mais realidades e perspectivas combinadas. Sem aquele nada que perturbe a apatia do minimalismo suspenso no nu. Adicionar peças seria uma loucura. Mas fazem-no a toda a hora. Cobre se a simplicidade com excesso de pormenores. Desvia-se a atenção e rapta-se a distração. Consequentemente chegam os quadros. Pintura sobreposta a pintura, emoldurada frequentemente em algo mais brilhante que a peça em si. Porque chegam? Quer-se abundancia de realidades. Quer-se misturar para cobrir a falta de (...).
Por ultimo, ou ao invés dos quadros, adicionam-se espelhos. Esses também com molduras, de diferentes formas e feitios. Quando já perdidos em tamanha cumplicidade com o caos e mistura de vidas que não a que pertencem, vem a procura do que nunca por lá se encontrou. O reflexo daquilo que se é. Que se foi perdendo em pinturas e decoração ilusória. Cobrem-se paredes, cobre-se a essência. Perde-se a simplicidade.
Citando Ludwig Van der Rohe. "Menos, é mais."

quarta-feira, 18 de junho de 2014



         Quero novo. Quero descoberta.
(Mas) Quero o velho que se coseu ao novo, como se para ele fosse desenhado.
          Quero as estantes, carregadas de um peso tão disfuncional.
(Mas) Quero apenas escolher algumas histórias.
          Quero uma janela, sempre.
(Mas) Quero-a fechada de quando em vez.
          Quero a confusão instalada em tudo o que me envolve.
(Mas) Quero o silêncio.
          Quero partir.
(Mas) Vou ficando, levando aos poucos tudo de mim.


quarta-feira, 26 de março de 2014


caminhar e não sentir o peso do ser. apenas o peso do corpo cansado do êxtase e da rebeldia que o tomou. sentir o desconforto de pisar as pedras da calçada. quase que sentir o frio na manhã que é tarde. manhã com companhia silenciosa, incomodada pelo burburinho pesado interior. perlonga-se ela então para uma tarde só. uma diferente companhia é aos poucos desenhada na janela do comboio, arrastando essas tantas realidades. e vão ficando para trás. rosto pesado de sabe-se lá o quê. dizem que é a dúvida que o consome. olhos curiosos o observam. dizem que é a loucura que não o deixa adormecer. por isso fica-se desperto até à manhã seguinte. 
- não despertes mais assim.  com toda essa ansiedade. fica-te pela noite. e de manhã, bem cedo, regressa à tua realidade.



 
 
 
 
 





Pulsa a cor, por entre o frio.
Sente-se nele,
 o contraste das diferentes formas de se estar.
 Sozinho.

segunda-feira, 10 de março de 2014

 

Quero o que me diz mais do que posso ouvir. Não gosto de ouvir, nada mais do que me ouço a mim. E por vezes, mal me ouço. E este mal de sentir, que me ilude de sentir tanto de mim. E o de mim que é sozinho, não quer companhia. E o de mim, sente bem esta solidão. Afinal sente. E para além da doçura, sente o abalo de tão bem estar sozinho. Por isso sente mal, em sentir-se bem sozinho. Por bem ou por mal, afinal quer companhia. Mesmo com essa fobia que invalida a vontade de o querer. O de mim que é sozinho. Quer-te ele a ti, apenas com a condição do abalo da solidão da tua companhia. Quer apenas sê-lo, com a companhia na solidão


 
 

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Porque chega a hora.
Porque chega o tempo. Vai chegar o tempo . Chegará o tempo. Porque sempre chega. Não vale tarde, não vale nunca. Vale quando tiver que valer. Vale com a força que vem e como chega, com o que chega e quando volta a partir para chegar a um outro lugar. Pois chega de desculpar o tempo com ele mesmo. Chega!
Seria importante a hora, se parasse-mos de contar os minutos? Porque assim não haveriam pontos. Não haveriam prazos. Não haveriam esperas e não haveriam razões para não esperar. Haveriam mais razões para ficar no "não tempo", sem premeditações e sem especulações aleatórias.
Se existissem os círculos com pequenos pontos a marcar o tempo, mas não existissem os ponteiros para o ordenar, seria mais espontânea esta nossa forma de viver. Deixemos ficar o tempo que não cumpre os segundos exatos do olhar. O que não tem o controlo sobre o compasso cardíaco quando este escapa um batimento.
Tempo, chega. Fica pela eternidade, por favor. Mas parte, assim que voltares.
 

 
 


domingo, 16 de fevereiro de 2014

 

Prende o ar por si já suspenso na música de fundo. Ri do nada e abraça o prazer do desconhecido. Sorri para a descoberta.  Mas depois tarda. E o tardar arrefece a superfície. E todo o mais, desaparece na imaginação que o tornou real.

sábado, 1 de fevereiro de 2014


 
 
«Não sei se a Arte nos deve salvar, mas tenho a certeza de que pode conduzir ao melhor que há em nós para que não nos desperdicemos na vida».
- Valter Hugo Mãe

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Usar a visão mental como um aparelho fotográfico e a nossa criatividade e equilíbrio como uma objetiva seria a solução para os mais diversas questões. Porque revirar o quarto ao contrario umas quantas vezes pode em parte transformar novas emoções e esboços de novas realidades, mas é apenas momentâneo e nunca passará disso, não é inútil, apenas não o suficiente. Não é suficiente caminhar sobre as pedras uma única vez, quando o caminho para casa é em alcatrão. O caminho para casa é sempre, o caminho para casa, mas nem sempre é mesmo de outrora. Cabe apenas, escolher que espécie de chão se prefere pisar. Há no entanto aquele que nos é incutido de forma bruta, tão bruta que a certo ponto não há forma de denotar que não fomos nós que o criamos. Criar. Criar o espaço, os espaços entre e os espaços a transbordar. Há que criar e criar. Fazer reflorescer o caminho de pedras que de quando em vez decidimos tomar como nosso. Nesta sociedade com os vírus espalhados de conformismo, que não nos calça para tal caminho, por isso há que criar os meios sobrepostos em cima da mesa do quarto. Há que buscar os livros à estante não apenas para lhes tirar o pó. E há que transportar uma caneta no bolso para ir desenhando a linha que nos antecede os passos. Porque não há peso e medida no descampado vasto dos sonhos. Não há postes de eletricidade tão pouco, há que construir com a luz que temos e não com a que se toma como garantida. Há que acender velas à noite, para transbordar a luz para o exterior. Transbordar os pensamentos para o exterior da rotina citadina de horas gastas antes de sequer passadas. Há que ser rico. Há que ter a riqueza que pesa na algibeira, a riqueza dos prazeres "baratos" e simples. Há que carrega-los e abraça-los com a força do vento. Há que ser firme e ter em si toda uma coletânea de discos de vinil, ou não, pronto a serem a banda sonora perdida na luz artificial. Há que ter luz interior. Mas há que ter também falta dela, falta de brilhantismo e excitação. Há que ter melancolia, por vezes sem medida. Há que tê-la. Há de nos agarrar e puxar-nos pelo chão, erguer-nos muros blindados e paredes que se movem à velocidade de caracol. Há que ter água de sabor a escorrer-nos pelas faces e há que ter olhos atentos ao interior do que somos feitos no momento em que todo um resto de mundo desaba e se desfaz pelo tapete que nos serve de aconchego. A caneta, ainda no bolso? Usa-a nem que seja na pele, balança palavras sobre ela, desenha-as até ao mais ínfimo pormenor. Abusa das emoções que te corrompem a dor que nem sentes. E há que ter tudo isso e mais, há que ter mãos para costurar um novo solo, uma nova base. Há que ter a esperança, não aquela inventada nos textos e livros de falsos juramentos de felicidade eterna. Há que ter aquela esperança elevada do fundo do rio, as nossas veias, a pulsar de energia desmedida e incontornável. Há que respirar o ar frio e gelar as faces coradas. Há que passar noites e dias com o Inverno. Há que dormir com ele, abraça-lo nos jardins do parque de Dom Pedro. Há que beber café com ele pela manhã e beber um chá pela tarde. Caminhar pela cidade de mãos dadas com ele, com o silêncio a acompanhar os passos. Há que o deixar permanecer nas nossas horas, sem lacrimejar fingidamente sobre o Verão. Há que deixa-lo apoderar-se das mãos delicadas que dançam sobre o piano. Há que deseja-lo.
Mas há de haver calor. Há de haver sorrisos, postais, cartas e malas feitas. Há de haver alpendres com luz pela noite dentro, há de haver noites no pátio a não contar estrelas. Há de haver dias com mais luz do que o que se possa aguentar. Há de haver horas com mais vida que se possa viver. Há de haver momentos que se irão penetrar no calor da pele. Há de haver sorrisos para nos preencher o peito de balanço. Há de haver olhares fixos em olhares fixos de verdade. Há de haver verdade. Há de haver caminhos, decididamente desenhados por nós. Há de haver pedras e hão de florescer cores. Há de haver chuva e neve e folhas caídas no chão.
Bem haja, à vida.



 
 
 
 

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

 
Por fim, ou então início, entendo.
Apesar de ofegante, respiro livremente.
As pontes estão construídas.
E as entradas são saídas.