sexta-feira, 24 de junho de 2016

Estás do outro lado. Apesar de respirarmos da mesma forma, somos tão diferentes, Olhando de dentro, agarras uma parte do meu mundo e agarras de outra forma que não a minha. Aflige-me que tenhas o mesmo poder que eu e o uses de forma diferente, e assusta-me que possas algum dia usa-lo da mesma forma que eu.
Não quero. Não te quero aqui. Sai.
Volto a olhar de dentro e estás mais perto, aproximas-te do vidro que nos separa e olhas-me como se estivesse em exibição premeditada.
Exibição da aberração de comportamentos controlados pelo peso dos olhos colados nos movimentos roubados pela falta de força.
Luto de volta, porque não te quero aqui, outra vez. Mas quero-me aqui, por isso sai.
Sai do outro lado do vidro. Larga a parte do meu mundo. Larga o poder. Sai.

Mas continuas a olhar.
Não sais.
E eu, fico. Luto de volta com a aspereza de não saber mais, de não ver mais. De não saber querer mais.
Então eu perco. Penso eu. Então eu perco.
E tu, pareces ganhar, porque depois sais de cabeça erguida. E eu fico de cabeça erguida, mas com mil e um fragmentos de um peso que não tem medida e me destrói cada vez que respiro.
Agora só vejo as tuas costas enquanto abres o teu caminho por entre os teus já caminhos.

Preparo-me para o impacto. O peito rebenta, os joelhos enfraquecem e as mãos agarram o que sobra de mim, ao perceber que as distancias do vidro eram as mesmas. Ao perceber que ambas assistíamos o mesmo, mas ninguém era o alvo e não haviam grades a cercar nenhum dos lados do espelho.

sábado, 28 de novembro de 2015

A base é simples e limpa de todos os excessos. É clara e com foco. 
Mas depois as camadas que se sobrepõem sufocam a base e transformam a simplicidade em distúrbio obscuro e constante.
Respira vida e deslumbramento e asfixia na dor de se perder o que se tem próximo ao peito. Respira dor e sufoca no deslumbramento.
Aos rodopios dentro do circulo vicioso e confortante que nos enche de um calor frio ausente de especulação. 
Como se os violinos estivessem sempre a tocar, durante todas as cenas, durante todas as camadas que se sobrepõem. Aumentando e diminuindo a intensidade e volume.

Aumentando e diminuindo.


quarta-feira, 15 de julho de 2015

A tua voz. Por agora não a consigo ouvir, mas sei que a adoro. 
Adoro-a como o som vibrante da cidade que me deixa nervosa e ansiosa por mais. 
Fazendo procurar-me mais uma vez.
Perco-te porque não me encontro e vai ser sempre assim. Nunca te encontro. 
Talvez por não saber como encontrar-te. 
Talvez por nunca te ter encontrado.
(e) tu nunca te entregas.
(e) eu que te recebo, 
das tantas formas possíveis. 
Impinjo em mim tudo de ti e abraço-me com medo. 
Medo de te receber de verdade.
Por isso paro e respiro. Não estás aqui, nem ali. 
Não estás.
Mas eu respiro e se respiro, lembro-te.
Lembro sempre.
Respiro.  

domingo, 28 de junho de 2015


Cai sobre o tapete do quarto o cheiro do teu perfume. Penetra-se por todas as divisões e entranha-se nas roupas e cortinados. Com ele chegam e partem as doces lembranças mas com um peso tão leve que estas se soltam das amarras do inconsciente de uma forma tão subtil.
Paira sobre o ar, aquela doce mas tão amarga lembrança de ti, aquela resistente que abafamos inconscientemente de cada vez que as tuas histórias são recontadas.
Andam soltas pela casa centenas de imagens, mas chega apenas uma pequena moldura na beira da lareira da sala, para nos fazer olhar-te, fora do pensamento.
“Esta madeira é resistente” penso assim que me levanto da cadeira de baloiço há muito colocada no alpendre. Oiço-a ranger e sinto a avalanche de memórias que passam de uma forma tão áspera mas também serena que me amacia e transforma a saudade.  



quarta-feira, 28 de janeiro de 2015



Ela está longe agora.
Sobrevoa os telhados de vidro das noites perdidas. Ela corre por entre as ruelas, descalça e ofegante à procura do chão. Ela canta num grito silencioso, enquanto os murmúrios abafam toda a melodia da sua voz. Ela agarra o vento com a ponta dos dedos e este entranha-se em forma de gelo na sua pele. Ela cai. Cai no chão, sem relevo, sem nada no caminho. Ela cai e espera que passe. Então senta-se e dobra-se sobre si mesma abraçando-se. Sussurra aquela mesma melodia. O frio toma conta dos seus lábios, do seu rosto, do seu corpo. 
Ela acorda, para mais tarde voltar.


quinta-feira, 2 de outubro de 2014


Sussurro uma melodia, mas o plano continua o mesmo.
O mundo continua o mesmo. Se estivesses cá, cantava para ti.
Mas eu continuo deste lado. O teu céu é igual ao meu,
mas mesmo assim divide-se em dois e as estrelas dividem-se em promessas.
Abro os olhos e vejo as nossas noites se encontrarem.
Mas sabemos que apenas somos guiados pela luz dos candeeiros.
Aqueles que percorremos de mãos dadas.
É lá que consigo ouvir o batimento do teu coração.
Nas ruas apinhadas e nas outras desertas de gente.
Já sem luz, deitada, olhei e continuavas ali.
E agora consegues ver o céu? É lá que consegues ver o meu.
As luzes dos candeeiros vão continuar acesas.
E as promessas vão-se desfazendo.
(...)
Eu ainda consigo ver o céu. Tu continuas desse lado.
 
 

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Lá estava ela, a segurar naquele tão pequeno coração. Naquele pedacinho de vida. Segurava-o enquanto o aconchegava na sua manta preferida. Era aveludada e de cor escura mas viva. Ela dizia que era uma manta especial. Talvez por já ter viajado por terras não tão longínquas mas receadas. Talvez também porque de quando em quando, é aconchegada pelas memórias que esta lhe traz. O pequeno tinha nos olhos vida e não foram necessários mais do que poucos segundos para também ela se deixar levar. Levar pela curiosidade do desconhecido e adormecer as imagens que levavam a sua mente num rodopio. Não demorou muito tempo até perceber que elas não se iam embora, as lembranças, por isso não precisava agarrar-se a elas com tanta força. Com tanto sufoco, com tanto peso e sem medida. Como sempre o fazia. Sentia o peito a explodir com tanto que não podia aguentar, nem quantificar, que se perdia ao tentar encontrar-se na confusão que criara. Imaginava a sua própria mão a ir em socorro de si mesma. Dentro de si mesma. Envolta no desencontro, despediu-se do caos e voltou-se para a pouca luz que deslizava por entre a janela fechada. Com um sorriso leve no olhar, abriu a janela.