terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Usar a visão mental como um aparelho fotográfico e a nossa criatividade e equilíbrio como uma objetiva seria a solução para os mais diversas questões. Porque revirar o quarto ao contrario umas quantas vezes pode em parte transformar novas emoções e esboços de novas realidades, mas é apenas momentâneo e nunca passará disso, não é inútil, apenas não o suficiente. Não é suficiente caminhar sobre as pedras uma única vez, quando o caminho para casa é em alcatrão. O caminho para casa é sempre, o caminho para casa, mas nem sempre é mesmo de outrora. Cabe apenas, escolher que espécie de chão se prefere pisar. Há no entanto aquele que nos é incutido de forma bruta, tão bruta que a certo ponto não há forma de denotar que não fomos nós que o criamos. Criar. Criar o espaço, os espaços entre e os espaços a transbordar. Há que criar e criar. Fazer reflorescer o caminho de pedras que de quando em vez decidimos tomar como nosso. Nesta sociedade com os vírus espalhados de conformismo, que não nos calça para tal caminho, por isso há que criar os meios sobrepostos em cima da mesa do quarto. Há que buscar os livros à estante não apenas para lhes tirar o pó. E há que transportar uma caneta no bolso para ir desenhando a linha que nos antecede os passos. Porque não há peso e medida no descampado vasto dos sonhos. Não há postes de eletricidade tão pouco, há que construir com a luz que temos e não com a que se toma como garantida. Há que acender velas à noite, para transbordar a luz para o exterior. Transbordar os pensamentos para o exterior da rotina citadina de horas gastas antes de sequer passadas. Há que ser rico. Há que ter a riqueza que pesa na algibeira, a riqueza dos prazeres "baratos" e simples. Há que carrega-los e abraça-los com a força do vento. Há que ser firme e ter em si toda uma coletânea de discos de vinil, ou não, pronto a serem a banda sonora perdida na luz artificial. Há que ter luz interior. Mas há que ter também falta dela, falta de brilhantismo e excitação. Há que ter melancolia, por vezes sem medida. Há que tê-la. Há de nos agarrar e puxar-nos pelo chão, erguer-nos muros blindados e paredes que se movem à velocidade de caracol. Há que ter água de sabor a escorrer-nos pelas faces e há que ter olhos atentos ao interior do que somos feitos no momento em que todo um resto de mundo desaba e se desfaz pelo tapete que nos serve de aconchego. A caneta, ainda no bolso? Usa-a nem que seja na pele, balança palavras sobre ela, desenha-as até ao mais ínfimo pormenor. Abusa das emoções que te corrompem a dor que nem sentes. E há que ter tudo isso e mais, há que ter mãos para costurar um novo solo, uma nova base. Há que ter a esperança, não aquela inventada nos textos e livros de falsos juramentos de felicidade eterna. Há que ter aquela esperança elevada do fundo do rio, as nossas veias, a pulsar de energia desmedida e incontornável. Há que respirar o ar frio e gelar as faces coradas. Há que passar noites e dias com o Inverno. Há que dormir com ele, abraça-lo nos jardins do parque de Dom Pedro. Há que beber café com ele pela manhã e beber um chá pela tarde. Caminhar pela cidade de mãos dadas com ele, com o silêncio a acompanhar os passos. Há que o deixar permanecer nas nossas horas, sem lacrimejar fingidamente sobre o Verão. Há que deixa-lo apoderar-se das mãos delicadas que dançam sobre o piano. Há que deseja-lo.
Mas há de haver calor. Há de haver sorrisos, postais, cartas e malas feitas. Há de haver alpendres com luz pela noite dentro, há de haver noites no pátio a não contar estrelas. Há de haver dias com mais luz do que o que se possa aguentar. Há de haver horas com mais vida que se possa viver. Há de haver momentos que se irão penetrar no calor da pele. Há de haver sorrisos para nos preencher o peito de balanço. Há de haver olhares fixos em olhares fixos de verdade. Há de haver verdade. Há de haver caminhos, decididamente desenhados por nós. Há de haver pedras e hão de florescer cores. Há de haver chuva e neve e folhas caídas no chão.
Bem haja, à vida.



 
 
 
 

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